10 de nov. de 2010

A Jangada de Pedra

Portugal, 1986, 291 páginas (Editora - Companhia de Bolso). Autor: José Saramago.
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Confesso que nunca tinha ouvido falar desse livro e que somente tive conhecimento dele porque, para as aulas de Literatura e Cultura Portuguesa, tive que o ler. Como a nossa professora trabalha com as obras de Saramago, nós evidentemente trabalharemos com esse autor – o que significa que os próximos livros postados aqui provavelmente serão de sua autoria.

Evidentemente, não se pode esperar que Saramago escreva uma história simples. Mesmo que haja simplicidade na estrutura e no enredo, decerto não haverá nas entrelinhas. E é exatamente isso que acontece em A Jangada de Pedra, cuja narrativa discorre a respeito da separação da península ibérica do resto do continente europeu e das conseqüências disso. A somar, narra-se a viagem de quatro personagens rumo ao autoconhecimento.

O primeiro capítulo já é ilustrado com a imagem dos quatro personagens principais e dos acontecimentos incomuns que os levam a “causar a separação da península”. Ponho entre aspas porque em nenhum momento o autor evidencia que foram os quatro os responsáveis pelo evento geográfico. As suas ações são meio incomuns: Joana Carda riscou o chão com uma vara de negrilho e o risco feito jamais se apagou; José Anaiço viu-se cercado por estorninhos, que simplesmente não lhe abandonavam e ficavam voando ao seu redor; Pedro Orce levantou-se de uma cadeira, pisou o chão com força e sentiu-o tremer sob si; Joaquim Sassa, ao passar pela praia, viu uma pedra imensa e arremessou-a ao mar, fazendo-a ir muito além do que suas forças permitiam. Após esses eventos, acontecidos em concomitância, os Pirineus racharam-se e a península ibérica lançou-se ao mar.

Não posso simplesmente comentar as vertentes literárias dessa obra. Ainda que seja literatura, e exatamente por sê-la, o autor nos propõe uma análise bem mais do que a óbvia, na qual eu comentaria a respeito do desenvolvimento da história e da composição dos personagens. Definitivamente, A Jangada de Pedra é um livro de abordagem política. Saramago sempre defendeu o pensamento de que Portugal não tinha seu valor reconhecido pela Europa. Embora os portugueses tivessem ratificado a potência européia ao saírem mar afora na época das Grandes Navegações – e consequentemente conquistado riquezas para o seu continente –, atualmente não lhe respeitavam a participação política e econômica nas relações com o resto dos países europeus. Pela semelhança cultural e pelo momento político-histórico vivido pela Espanha na época em que o livro foi escrito (o ano era 1986; vale ressaltar que hoje o perfil do Estado espanhol mudou consideravelmente), a Europa via esse país tal como via Portugal. Aproveitando esse fato, Saramago reuniu uma série de dados e suposições para elaborar uma crítica feroz à atitude européia. Não nos restam dúvidas ao longo da obra de que a separação geográfica significa o afastamento político que há entre os países iberos e o resto do continente. O ato de vagar pelo mar é uma clara representação do modo como esses dois países buscam o lugar a que pertencem, o lugar onde encontrarão semelhanças culturais que lhe permitam uma identificação e autenticidade com suas próprias raízes – não é à toa que, ao final do romance, a ex-península, agora ilha, pára entre a África e a América, locais onde possuem colônias: lá se fala a mesma língua, têm-se costumes semelhantes.

Como obra literária, não posso criticar quase nada, afinal se trata de uma construção bastante elaborada. O único problema que eu encontro – e para o qual eu tenho argumento que o situa não exatamente como um problema – é o rápido envolvimento amoroso dos personagens, haja vista que tudo acontece muito rapidamente, sem o tempo necessário para que os romances se desenvolvam, ou que, pelo menos, os personagens se conheçam adequadamente. Não posso me esquecer, porém, de que não havia tempo: todos temiam a acelerada aproximação da jangada com os Açores, o que poderia significar a morte de muitos portugueses e espanhóis e definitivamente a extinção do arquipélago. Fora isso, todo o resto é válido.

A Jangada de Pedra é uma obra muito válida, que merece ser lida. Não apenas pelo seu contexto literário, mas principalmente pelo seu significado político e pela árdua crítica que Saramago faz à Europa e às grandes potências. Em alguns momentos, chega a reproduzir falas dos representantes dos Estados Unidos com uma perfeição inigualável, fazendo-nos quase crer que seja uma reprodução fiel de algum discurso já proferido antes. Não se furtem o prazer de lê-lo. Leiam-no, porém, se estiverem conscientes do que essa obra significa, porque o seu poder está justamente fora do universo literário.

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