30 de abr. de 2012

A Dama do Cine Shanghai


Brasil, 1987, 115 minutos, thriller. Diretor: Guilherme de Almeida Prado.
Uma obra que realmente merece ser conferida, principalmente pela sua associação com o cinema noir.

Alguns poucos filmes nacionais me chamam bastante a atenção. “A Dama do Cine Shanghai” me cativou justamente pela sua peculiaridade, pois, pelo menos para mim, esse tipo de trama investigativa, cheia de mistérios que retomam as narrativas noir dos cinemas norte-americano e francês. Confesso desde já não ter muita experiência com o cinema nacional e talvez esse seja o motivo do meu fascínio por essa produção de Guilherme de Almeida Prado, diretor cujo único outro filme a que assisti foi “Perfume de Gardênia” (, também no estilo noir, estrelando Christiane Torloni.

O título já diz bastante acerca dessa obra: a dama do cine shanghai é uma personagem quase mítica, que existe em boa parte do filme na abstração da crença. Ela é, a princípio, a personagem de um filme que Lucas, o protagonista da história, vai ver no cinema, lugar onde encontra Suzana, mulher casada e misteriosa, que primeiro flerta e depois foge e, nos constantes e eventuais encontros com Lucas, acaba envolvendo-se e envolvendo a ele numa trama de perseguições e crimes, que parecem nunca se solucionar. Cada vez mais a fundo na relação com as outras personagens que surgem, Lucas percebe que Suzana e a atriz do filme a que ele assistiu têm muito em comum e talvez descobrir o porquê dessa coincidência seja a chave para sair da teia de homicídios.

Antes mesmo de dizer que o grande destaque da história é o tom certo encontrado por Antonio Fagundes (seu personagem tem um quê de romanesco, tangendo às vezes a inverossimilhança), preciso dizer que o realmente me agradou no filme foi a direção de arte e a preocupação do diretor em manter na maior parte das cenas uma luz ou objeto vermelho ou azul, normalmente bastante iluminado por uma iluminação em néon, o que atrai ainda mais a atenção. Mas vai além do néon: mesmo a cortina feita de miçangas azuis, o abajur vermelho que tem no quarto, os lençóis azuis sobre a cama, o biombo de cor amadeirada, quase laranja-avermelhado que podemos ver em cena. Todos esses detalhes – alguns são detalhes mesmo, outros são tão evidentes que esse nome nem é adequado – servem para que a trama seja mais bem estruturada – é inegável que todas aquelas cores parecem intensificar as cenas, atribuindo-lhes mais tensão.

 O segundo encontro eventual de Suzana e Lucas: o inicio de todos os crimes.

A trama, claro, tem seus pontos fracos, principalmente o modo como tudo parece se resolver facilmente, mesmo que anterior à breve resolução houvesse mais de uma hora e meia de detalhes, pistas, crimes e sugestões acontecendo. Ao final, mesmo que vejamos a trama concluída, fica uma impressão de que algo não está claro – ou, caso esteja mesmo claro, algo no roteiro tratou de simplificar um final que notadamente demandaria mais explicações. Além disso, um ou outro momento que parece não fazer sentido na trama, como o fato de Lucas ser um fugitivo da polícia por suspeita de assassinato, mas nunca se esconder verdadeiramente: vemo-lo o tempo todo passeando pela cidade com o carro de Suzana, “coberto”, no máximo por óculos, que, segundo ela, “não têm graus” (risos).

Apesar de um ou outro defeito, a trama realmente me agradou. A narrativa é bastante fluida e isso se deve principalmente aos personagens principais e aos seus intérpretes. Tanto Suzana quanto Lucas são criaturas que nos despertam a curiosidade – ela, sobretudo – e tanto Maitê Proença quanto Antônio Fagundes souberam defender bem as pessoas que interpretam. A atriz não perde em nem um momento a aura de mistério que cerca a personagem, ela consegue olhar compenetrada; o rosto, embora lívido, parece sempre esconder algo – seus olhos, principalmente, não à toa eles são o que restam da fotografia que Lucas encontra depois de encontrar o primeiro homem morto e, inevitavelmente, faz a associação entre a mulher que ama, Suzana, e a atriz do filme “A Dama do Cine Shanghai”, Lana Van, que pode ser a chave para a solução do mistério. Em nenhum momento os atores saem de suas personagens, independentemente do ambiente pelo qual transitam, passando de cenas de crimes novelescos até festas de casamento em chácaras de família, numa cena também novelesca. 

 A Dama do Cine Shanghai: a personagem misteriosa que aparece ao longo de todo o filme.

Estão presentes na trama os elementos essenciais do filme noir: a mulher desejada, cunhada de femme fatale; o crime que envolve o protagonista; a tentativa dele de se provar inocente ou, se culpado (o que não é o caso aqui), escapar dos indícios que o relacionem ao crime; os ambientes naturalmente escuros e os ambientes escurecidos – tudo isso é visto nessa trama, inclusive aquele desfecho no qual paramos para descobrir exatamente como tudo vai acontecer. E o melhor é uma intersecção adorável entre o real e o fictício, como vemos logo no começo do filme, quando vemos o que o personagem vê no filme, dando a impressão, num primeiro momento, de que a trama começa numa coincidência com a trama do filme assistido no filme – ou seja, o efeito de mise en abyme, que notadamente acrescenta charme muito maior à história.

A meu ver, é um filme que deve ser visto e, mesmo que alguns aleguem haver muitos clichês na trama – de fato, há alguns –, merece ser contemplado, pois é um enredo que atrai bastante e se trata de uma produção que consegue agradar mais do que muitos filmes feitos atualmente, que parecem pender em vários gêneros e, não atidos a nenhum em específico, se perdem nas suas próprias propostas. Aqui, claro, vemos o intercâmbio entre o thriller e o romance, mas isso apenas acrescenta ao enredo, em nada o faz perder. Assim, penso que seja um dos filmes que mais merecem nossa visita (e, sobre o diretor, não sei se o considero muito bom, já que, o que esse tem de interessante, “Perfume de Gardênia” tem de ruim).

7 opiniões:

Unknown disse...

Eu gosto desse filme, acho ele muito estiloso, cheio de glamour. Só tenho algumas ressalvas qt a narrativa, q acho q empaca em certo momento. O inicio dele é empolgante..hehe
Otimo texto!

Júlio Pereira disse...

Conheci esse filme através do Celo Silva, coincidentemente. Não me interesse muito pela falta de entusiasmo dele, e ainda não me interesso muito, pois, mesmo que tenha achado interessante, expôs vários defeitos que me afastam da obra. De nacionais que lembrar os noir americanos, recomendo o recente Bellini e a Esfinge, que, embora repleto de defeitos, é um bom entretenimento e uma investida corajosa no cinema de gênero!

J. BRUNO disse...

Ainda não assisti... Eu gosto muito do cinema nacional, mas tenho tido pouco contado com obras anteriores aos anos 2000, com exceção do cinema novo...

Wilson Antonio disse...

Lembro da capa desse filme nas locadoras, nunca tive a oportunidade de assistir. Entrou para a lista dos que quero ver, uma vez que não perderia a oportunidade de ver como um diretor brasileiro trabalha os elentos do noir. belo texto

Rodrigo Mendes disse...

Acho a Maitê ótima aqui e o filme tem realmente um clima noir como você aponta muito bem.
Vi na televisão umas duas vezes, naquelas segundas- feiras da Rede Globo. Teria que rever. Sobre o Fagundes, ele esta característico como nas novelas. Não sei se é ruim isso, se a intensão do diretor era traçar um paralelo com um homem extraído das "soap opera" por isso teria que rever. Gosto do saudoso José Lewgoy aqui.

Abs.

Alex Gonçalves disse...

Acompanhando o texto, deu para notar que Guilherme de Almeida Prado seguiu uma mesma linha em seus filmes rodados posteriormente. Do cineasta, pude conferir apenas "Onde Andará Dulce Veiga?", filme que gostei bastante, especialmente a parte técnica e todas as referências ao cinema noir. Tenho “A Dama do Cine Shanghai” no meu HD externo, só preciso consertá-lo, rs.

Anônimo disse...

só faltou falar da trilha, que inclusive eu a ripei direto do filme ;)

esse é um dos meus filmes de paixão do cinema nacional e pq não mundial?

eu, se fosse falar de filme noir na europa, com certeza falaria desse aqui!

e gostei do comentario que a maitê nao perde a aura de misterio e ela e o fagundes ficam compenetrados nos personagens o filme todo, sem medo de defende-los muito bem e levar a serio o que fazem e sem deixa-los chatos.

adorei mesmo. naquela época, o Fagundes tinha um porte diferente e bacana pra esse tipo de personagem.