18 de jun. de 2012

Entre Dois Amores


 
Out of Africa. EUA, 1985, 161 minutos, drama. Diretor: Sidney Pollack.
Ainda que o seu ritmo lento possa parecer um empecilho, o filme é um grande épico que nos apresenta magnificamente à vida intensa e perturbada de Karen Blixen.

Isak Dinesen é um nome pouco estudado da literatura e mesmo seu nome verdadeiro, Karen von Blixen-Finecke, não se trata de uma referência literária precisa, até mesmo para muitos estudiosos das artes. Em 1985, com Meryl Streep no papel da dinamarquesa Karen Christenze Dinesen, que eventualmente se casaria para herdar o título de baronesa, Sidney Pollack apresentou um épico de quase três horas de duração, no qual praticamente toda a trajetória amorosa da personagem fosse mostrada.

Se Blixen, cujo futuro marido Bror von Blixen, é um dos objetos dessa narrativa, com certeza o outro objeto é o atual Quênia, local para onde Blixen se mudou após se casar com seu primo. Um casamento arranjado, como se vê, mas nem por isso uma relação exclusivamente desarmoniosa, apesar dos grandes problemas de aproximação que Karen Bror descobrem existir. A história, assim, tem seu alicerce sobre dois personagens: Karen e a África. Se o ambiente no livro de Aluísio Azevedo, “O Cortiço” (1890) – ou seja, o próprio cortiço – é personagem fundamental para a história, o mesmo se pode dizer da África para a narrativa de “Entre Dois Amores”, que, a meu ver, alude ao cenário e ao segundo amor de Blixen.


Vemos aqui, sem medo, um Quênia não-Quênia: notadamente percebemos tratar-se do cenário africano, das amplitudes áridas e selvagens do continente, e não especificamente da cultura local, apesar de ela ser apresentada na obra. Um dos primeiros amores da baronesa, com certeza, foi a imensidão daquelas terras que tanto se distinguem da gélida Dinamarca, local de onde ela saíra. E a natureza é grafada nesse filme tão pictoricamente que é difícil apontar claramente quando se trata de uma representação objetiva de uma representação subjetiva, tamanha a proximidade da câmera com o olhar de Blixen, sempre admirado, mesmo já tendo se passado muitos anos desde a sua chegada àquelas terras – até mesmo o título do filme alude à sua tristeza de saber que estará para sempre fora da África, já que todos os seus investimentos, num determinado momento, mostraram-se fracassados.

Meryl Streep define bem a mulher de ferro que sua personagem é. Ela transita facilmente entre as obrigatoriedades como dona de casa e as obrigatoriedades de ser uma dona de terra daquele lugar. O marido sempre ausente, satisfatoriamente defendido por Klaus Maria Brandauer, apesar de sua condição – ou seja, de sua ausência –, torna-se um objeto de desejo, não à toa Blixen considera ter filhos e não hesita em ir ela mesma levar os mantimentos que ele havia pedido: ela cruzou territórios perigosos, enfrentou intempéries várias, mas, por fim, para surpresa de todos, chegou ao seu destino – ao encontro do marido, que, eventualmente, devido aos seus encontros com outras mulheres, lhe passou sífilis, doença que perturbaria para sempre a vida da baronesa. E Robert Redford, o aventureiro Denys, surge na história registrando o segundo amor de Karen: é ele o homem a quem ela se dedicará fielmente e que a demoverá de certas idéias, instaurando-lhes outras na cabeça.


Sidney Pollack constrói uma obra bastante correta, sem exageros e sem fraquezas. Mesmo o ritmo lento, que alguns podem julgar monótono, serve para conduzir a trama de modo que suas pontas sejam amarradas e, pouco a pouco, nos permitam construir mentalmente a figura que a baronesa é. Mais ainda, Pollack conseguiu extrair de seus atores momentos extremamente satisfatórios, transformando seu filme numa obra bastante linear e simétrica, sobretudo: não é mais interessante o começo que o fim, não é mais ágil o final que o começo – trata-se de uma trama cujo percurso se faz lento e preciso, dotado de poesia intrínseca. E acho que a obra é bastante poética quando analisamos os seus elementos: a clausura da casa de Karen em oposição à vastidão queniana, o escuro dos interiores em oposição ao alaranjado e claro dos exteriores.

Mais interessante a obra fica se analisarmos a questão do amor, sugerida no título nacional (como vemos, não se trata de uma tradução literal): se a África representa um dos seus amores e, por conseqüência, toda a sua grandeza de cores áridas e a liberdade associada àquelas terras de perigo, Denys representa o segundo amor da baronesa e, em oposição à liberdade, ele representa o confinamento, o convencional e a introspecção. Basta nos lembrarmos de quando os dois têm uma discussão e ela claramente apresenta suas vontades: gostaria que ele fosse dela, que estivesse mais com ela e que viajasse menos e que ele fizesse com que ela sentisse que os dois eram mesmo um do outro. E ele, em resposta, argumenta que não pode ser assim o relacionamento dos dois – eles são, afinal, livres, qual aquele cenário no qual vivem.


“Entre Dois Amores” (1985) não é uma novela melodramática nem um discurso frio – as próprias cores da película ajudam a não permitir que ele o seja. Trata-se de uma narrativa sóbria que mostra satisfatoriamente o trajeto de Karen Von Blixen-Finecke em terras africanas, às quais nunca mais voltou desde que de lá partira, e serve excelentemente como material extra para consulta àqueles que são ou ficaram interessados pela história dessa escritora que se tornou famosa pela sua dedicação aos nativos do Quênia e à literatura, sendo os seus títulos mais famosos o livro de contos Anecdotes of Destiny (1958) e Out of Africa (1937), que é o romance autobiográfico que deu origem a esse filme. Talvez, se não valer exclusivamente pela estesia de ver Meryl Streep magnificamente com um sotaque dinamarquês, o filme vale para conhecer um pouco mais do período (trata-se dos últimos anos do Quênia como colônia britânica) e da mulher que Blixen foi (lembrando-se também que ela é a única mulher a já ter sido convidada para beber no Muthaiga Country Club, um bar somente para homens).

3 opiniões:

Hugo disse...

É um ótimo, do estilo que antigamente chamavam de "cinemão", história que mistura drama, amor e aventura em algum local exótico.

A dupla principal está ótima, assim como o húngaro Klaus Maria Brandauer.

Pode-se considerar com um dos melhores trabalhos de Pollack.

Abraço

Kamila disse...

A cena que abre esse filme, na minha opinião, é uma das coisas mais lindas que eu já vi no cinema. Pena que "Entre Dois Amores" tenha envelhecido tanto. O filme, visto atualmente, se torna um tanto cansativo, enfadonho. Mas, vale por Redford e por Streep, sensacionais.

Júlio Pereira disse...

Sem demagogias, Luís, esse é o seu melhor texto que li até hoje. Desde sua análise subjetiva e do roteiro da obra, até os aspectos técnicos (que, vale lembra, você pouco aborda - o que não é, claro, um defeito), seu texto me instigou bastante à ver o filme. Este, aliás, já me foi fortemente indicado por um amigo meu fã da Meryl Streep - achei suspeito, no entanto, justamente por este fato! Enfim, procurarei ver, sem dúvidas!